Tal mãe, tal filha: uma história de renúncia e amor aos cachos

Filha de mãe cacheada, Virgínia sempre viu seus cabelos cacheados como um problema. Mas foi ela quem tomou a iniciativa que fez o jogo virar

Gosto de pensar na evolução da minha mãe como mulher durante 32 anos que estamos juntas. A entrega, as escolhas em nome dos filhos e, como nosso assunto central aqui é beleza, as transformações e abdicações que a função mãe obriga a fazer. Minha mãe é uma dessas mulheres que se entregou totalmente e, muitas vezes, deixou a vaidade de lado sem perceber o quanto isso a afetava. Eu sei que, antes da maternidade, ela era vaidosa e gostava muito de se sentir bonita. Tal mãe, tal filha.

Algo que a gente sempre discutiu em casa foram os cabelos. Os fios dela, que são de um cacheado bem definido e volumoso, foram apagados por anos com cortes bem curtos ou químicas.

Falo sempre por aqui sobre como houve uma imposição para que os fios de todas nós mulheres fossem lisos, mesmo que isso fosse totalmente contra a natureza deles. Engraçado pensar que, pós anos 80, onde todo volume era bem-vindo, houve uma guerra contra os cachos. Os padrões da beleza são tão cruéis a ponto de fazer a gente acreditar que somos feias e inadequadas.

Lembro nitidamente de falas de depreciação dela a si própria, dizendo coisas como “meu cabelo é duro” ou “meu cabelo é feio e não tem jeito”.  Também ouvi muito durante os anos que era uma pena eu ter puxado o cabelo dela. Os fatores externos afetam as relações internas e a gente vai passando de geração para geração valores e discursos que, muitas vezes, não fazem o menor sentido.

Tal mãe, tal filha

Tudo isso me fez também passar por um período de difícil relação com meu cabelo. Fiz escova durante anos e mal sabia mais o que era lavar o cabelo e secá-lo naturalmente. Aliás, esse foi meu desejo por muitos anos: lavar meu cabelo e deixá-lo secar sem ter que escovar ou conter o volume. Eu já passei por muitas fases com meu cabelo e demorei a entender como cuidar dele.

Aceitação

Talvez esse seja o melhor momento para o mundo dos cabelos, principalmente para as não-lisas. Podemos ver, por exemplo, que o mercado se adaptou para que todos os tipos de cabelo possam ser tratados de acordo com suas características. Lembram quando nas prateleiras haviam opções para cabelos “normais”?

Mãe e filha
Foto: reprodução/arquivo pessoal

As minhas tias também são mulheres com cabelos crespos e cacheados e também sofreram preconceito alheio e de si próprias. Lembro que quando minha tia estava em tratamento do câncer que a levou e os cabelos começaram a crescer novamente, porem lisos, foi uma pequena alegria “pelo menos agora o meu cabelo está liso”. Eu lembro com carinho e penso como teria sido diferente a vida de dessas mulheres tão guerreiras se elas tivessem aprendido a se amar e aceitar suas belezas.

Com a maturidade eu pude perceber que minha mãe e as mulheres que me rodeiam também foram vítimas de uma sociedade que castiga quem é mulher e impõe uma busca de padrões de perfeição. Com isso, veio o desejo de fazer com que minha mãe gostasse do seu cabelo da mesma maneira que eu gosto do meu: livre, leve e solto.

Pazes com o cabelo

Há pouco tempo eu pude fazer um corte diferente nela, que eu sabia que ficaria lindo, valorizando seu rosto e dando volume aos fios. Isso pode parecer simples, mas outro dia eu me emocionei porque ela me ligou para pedir dicas de produtos “para cuidar dos meus cachinhos”. Antes, ela estava sempre com os cabelos presos, e era muito difícil vê-la sem que estivesse com uma tiara ou algum tipo de presilha.

Mais que um simples depoimento, eu espero que esse texto inspire você, querida leitora, a se amar e amar seu cabelo, da maneira que ele é. E a ajudar uma próxima pessoa a se amar também. Esse é meu maior objetivo como alguém que trabalha na área de beleza, fazer as mulheres aceitarem suas belezas. E principalmente, ter certeza de que mulheres que se tornaram mães continuem se sentindo mulheres lindas e poderosas.

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