#AmoMeuCabelo: mulher viaja para trançar o cabelo de menina que sofreu bullying
A trancista Sara Mara saiu de São Bernardo do Campo (SP) e foi até o interior do Espírito Santo para ajudar uma jovem que foi alvo de comentários maldosos na internet a recuperar sua autoestima
Como muitas mulheres negras, a trancista Sara Mara Paula, 32, de São Bernardo do Campo (SP), viveu uma adolescência com dificuldade para cuidar e gostar do seu cabelo. O bullying constante na escola, inclusive, foi um dos fatores que a levou a fazer alisamentos aos 12 anos. A partir daí foi um longo caminho até que ela começasse a aceitar seus crespos. Já aos 26, viu como seus fios naturais eram, sim, lindos ao assistir a cantora Iza na televisão.
Quando Sara se deparou com um vídeo, que viralizou na internet, de uma garota que sofria bullying e chora por conta do seu cabelo crespo, ela sentiu que voltou ao tempo em que passava por todas essas humilhações no ambiente escolar. Foi então que a trancista decidiu que queria ir até a casa de Thaysa Silva, 15 anos, para ajudá-la a recuperar sua autoestima.
“Cresci sentindo na pele as questões das mulheres negras com seus cabelos e sempre faço o possível para oferecer suporte, seja mantendo meu preço de trabalho mais acessível, seja criando projetos sociais* e ajudando-as a aceitarem e cuidarem dos seus fios, empoderando-as. Não vi graça no vídeo e fiquei com muita raiva da situação. Logo comecei a procurar o perfil dela no Instagram e, depois de uns três dias, encontrei.
Entrei em contato e primeiro conversei com a mãe dela. Ela me contou que a filha estava desenvolvendo um quadro de depressão por conta do bullying que vinha sofrendo com a repercussão do vídeo. Perguntei se podia ir até lá para dar um ‘mimo’ para ela, trançar seu cabelo. Dar a oportunidade de ela se reconhecer de diversas formas pelo outro, para depois ela conseguir fazer isso sozinha”, relata Sara.
A jornada até o encontro de Sara e Thaysa
Sara Mara em: pé na (longa) estrada
Quando Sara prometeu que iria visitar Thaysa, ela estava certa de que a adolescente morava no Rio de Janeiro e, portanto, não teria grandes gastos para fazer um bate-volta de São Paulo até o estado vizinho. “Quando descobri que, na verdade, ela estava em Castelo, no interior do Espírito Santo, fiquei chocada. Não tinha dinheiro pra bancar essa viagem, mas já tinha prometido a visita, que iria cuidar dela”, relembra.
Para comprar a passagem de ônibus até lá, Sara pagou a fatura do seu cartão de crédito de R$ 360 e viajou com apenas R$ 120 no bolso. Ao chegar em Vitória, no Espírito Santo, ela descobriu que Castelo era longe, a 1h30 de distância, e só havia um ônibus que ia pra lá, com saídas pela manhã e à noite. “Cheguei lá e o ônibus já tinha passado. Fiquei desesperada, eu tinha uma noiva pra fazer no dia seguinte. Dei um jeito e peguei um táxi que me levou até a casa da Thaysa por exatos 120 reais”, fala Sara.
O encontro, por Thaysa
“Quando a Sara chegou na minha casa, pensei: ‘Meu Deus, isso é real!’. Fiquei muito surpresa. Quando ela mandou mensagem falando que queria me ajudar, não conseguia acreditar que uma pessoa viria de tão longe fazer algo tão bom. Mas quando ela apareceu, todos meus vizinhos saíram de casa pra ver. Depois que eu e minha família percebemos que podíamos confiar na Sara, saímos contando pra todo mundo que ela viria fazer meu cabelo, me ajudar com minha autoestima”, celebra Thaysa.
Tranças: conexão ancestral
O encontro das duas rendeu muitas conversas, reflexões e um novo visual que ajudou Thay a perceber-se, a ver a garota linda que ela sempre foi. “Optei por fazer nela as box braids, um tipo de trança afro que é bem demorado pra fazer. Foi uma escolha estratégica, quis usar esse tempo a nosso favor para conversarmos. Quanto mais tempo passasse com ela, melhor. Gastei umas 6 horas trançando os cabelos dela, fiz questão de não correr”, revela Sara.
Enquanto trançava o cabelo de Thay, a trancista conta que a sensação que teve era de que sua versão adulta estava trançando a Sara quando criança. “O que eu fiz com a Thay era o que eu precisava que tivessem feito comigo na minha infância. Em nossa conversa, as perguntas que eu fazia pra ela, sobre suas questões com o cabelo e com a autoestima, eram justamente as que eu queria que tivessem perguntado pra mim quando mais nova, e nunca ninguém o fez. Foi mesmo um encontro de almas”, acredita Sara.
A conexão entre as duas foi algo bem forte, principalmente por perceberem diversas semelhanças entre si. Thay relembra: “Além de termos passado por situações bem parecidas, ambas temos a vontade de ajudar outras pessoas, de estar juntas para lutar contra o racismo e o bullying. A gente conversou muito, sabe? A Sara falou que posso chegar onde eu quero, que posso estar onde quero. Isso fez toda a diferença”.
Enxergando o mundo com outros olhos
Sara presenteou a Thay com um dia de beleza completo: além de trançar seus cabelos, fez uma maquiagem para destacar ainda mais seus traços únicos. “Assim que terminei o trabalho, consegui notar uma mudança em sua postura corporal. Isso fala muito. Quando ela me recebeu em sua casa, estava desanimada, mas depois que ficou se olhando por um tempão no espelho, com as tranças e maquiagem prontas, isso mudou rapidamente. Até mesmo na despedida, ela trocou de roupa, estava mais alto astral”, recorda Sara.
Thaysa também guarda boas lembranças desse dia: “Ao me olhar no espelho, o primeiro pensamento foi ‘caraca, não parece que sou eu!’. Já me empolguei pra tirar foto, postar nas redes. A Sara me ajudou muito a recuperar a autoestima. Depois da visita dela, comecei a me aceitar, a ter a certeza de que sou linda da forma que sou e posso ocupar o espaço que quiser. Foi a partir daí que comecei a enxergar o mundo com outros olhos, a ter a Thaysa de volta. Me dei conta de que sou uma pessoa incrível por fora e por dentro!”.
Um maravilhoso dom vem à tona
“Quando a Sara veio me visitar, contei que já tinha trançado o cabelo de uma amiga, e ela passou a me incentivar muito a investir nesse meu talento. Acatei esse conselho e hoje tranço o cabelo de várias meninas e meninos na minha cidade. Me sinto realizada em poder passar pra eles o que aprendi com a Sara. Sempre converso muito com eles enquanto faço as tranças. É um dom que nasceu comigo”, celebra Thay.
De volta pra casa
No mesmo dia, após o término do trabalho, Sara foi comprar sua passagem de ônibus de volta para São Paulo. Ela imaginava que, por já ter pago a fatura do seu cartão, o limite estaria liberado. Não foi o que aconteceu.
“Fiquei desesperada. Tive a ideia de ligar para uma amiga, que conseguiu comprar a passagem por aplicativo para eu voltar. Mas eu ainda precisava pegar um ônibus até a cidade vizinha, de onde o ônibus para São Paulo saía. Custava R$ 38 e não tinha ninguém pra me emprestar dinheiro”, conta Sara.
Quando ela entrou no transporte, chorou pro motorista e ele a deixou seguir viagem de carona. “Finalmente consegui embarcar no ônibus pra São Paulo, mas ainda tinha um longo caminho para percorrer até São Bernardo do Campo, e não tinha dinheiro pra passagem. Depois de muita humilhação, um senhor aceitou passar seu Bilhete Único para eu conseguir chegar até o centro da minha cidade. Quando cheguei, ainda tive que andar 7 km até minha casa, arrastando mala e morrendo de fome. Mas posso dizer que essa viagem valeu muito a pena, voltei com a sensação de missão cumprida. Menos uma pessoa no mundo pra ter que lidar com a questão do cabelo sozinha”, completa.
O poder do cabelo na autoestima da mulher negra
Eu diria que o cabelo rege a vida das mulheres negras. Ele é 99,9% da nossa identidade e autoestima. Podemos ter as melhores roupas, sapatos, casa – mas, se não estamos bem com nosso cabelo, não estamos com o restante. Ele fala muito sobre nós e impacta em questões estéticas, de relacionamento, trabalho…”
Sara continua: “Quem está de fora, já olha e tira um monte de conclusões próprias. É um longo processo porque quando finalmente aprendemos a gostar do nosso cabelo, temos o outro problema com a visão de outras pessoas sobre ele”, destaca.
Hoje, sempre que Thaysa olha pro seu próprio cabelo e de outras mulheres negras, se questiona como ainda pode existir racismo com um cabelo que é tão perfeito. “Vejo nossas madeixas como uma coroa. Coroa vem de rainha, de poder, brilho, é tudo aquilo que temos, por mais que nem todo mundo consiga ver. Essa é a nossa identidade, que nos acompanha desde o ventre de nossas mães. E sempre que alguém disser o contrário, sugiro que ligue o botão ‘não me importo’ e siga em frente, com a cabeça erguida e o cabelo pro alto”, aconselha Thay.
A dupla, felizmente, mantém contato até hoje e sabem que sempre podem contar uma com a outra. “Estamos longe, mas ao mesmo tempo muito perto”, finaliza Sara. <3
*Projeto Rapunzel: apoie o trabalho de mulheres negras!
Além da admirável iniciativa de Sara procurar Thay para trançar seu cabelo após ver seu vídeo na internet, ela também criou o Projeto Rapunzel em 2014 para ajudar jovens e mulheres em situação de vulnerabilidade social tanto em sua cidade, São Bernardo do Campo, quanto fora dela.
A trancista oferece oficinas de tranças gratuitas em presídios e centros socioeducativos em Belo Horizonte, Minas Gerais e, em breve, oferecerá esse mesmo curso na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, em parceria com a ONG Casa Preta. Em São Bernardo do Campo, as meninas que participam das oficinas no próprio salão de Sara também já saem prontas para o mercado – hoje, a profissional já tem duas mulheres de suas turmas trabalhando com ela.
Seu objetivo, agora, é estender o projeto para meninas que moram em orfanatos na sua cidade – quando chegam à maioridade, muitas saem sem nenhum tipo de suporte ou perspectiva para o futuro. Sara Mara está tentando angariar fundos para conseguir manter um espaço onde essas jovens morem durante três meses enquanto trabalham como trancistas.
“Todo o valor que elas arrecadarem como trancistas seria depositado em uma conta bloqueada para, depois desses três meses de moradia gratuita, terem a oportunidade de começarem a construir suas vidas”, conta Sara.
Para saber mais detalhes sobre o projeto e ser um(a) apoiador(a) nessa empreitada, você pode entrar em contato com a Sara via DM em seu perfil no Instagram, o @saramarabrisa, ou pelo número de celular (11) 95244.6673.
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