Cabelo importa: Thaísa Cristina conta a sua história, de quando cabelo e esporte se encontram
O esporte pode mudar vidas e, até mesmo, a relação com o cabelo. Esse é só um pedacinho da história de Thaísa, atleta de 23 anos que compartilhou o seu relato com a gente.
Seguir carreira de atleta não é um objetivo fácil de vida. Além da falta de incentivo no esporte em um país como o Brasil, ser mulher e negra, é sinônimo de muitos obstáculos. Mas, Thaísa Cristina prova que é possível ultrapassar barreiras e correr — literalmente — atrás de seus sonhos.
A atleta tem 23 anos, atua em provas de salto em distância, 100 metros rasos e 100 metros com barreiras, e nos deu a oportunidade de conhecer a sua história e a sua relação com o cabelo dentro do esporte.
“Muitas pessoas acham que esporte e beleza não se misturam, e eu tento mostrar o contrário” – Thaísa Cristina
Eu sempre fui uma criança bem ativa, muito veloz, forte e competitiva. Me destacava com relação às outras crianças que convivi na escola e na rua.
Fazia aulas de dança na escola e me destacava pela minha flexibilidade e molejo. Nas aulas de educação física pela minha velocidade, sempre recebendo muitos elogios dos professores. Não que eu não fosse uma boa aluna nas outras matérias, mas nada brilhava meus olhos mais do que coisas que envolviam o corpo e a arte.
Apesar de saber dos meus talentos, eu nunca acreditava tanto assim no meu potencial, sempre me boicotava e achava que as pessoas estavam mentindo quando me elogiavam.
Segui fazendo aulas de dança e jogando futebol até que, em 2012, por volta dos meus 12 anos, aconteceram as Olimpíadas de Londres. Me lembro vagamente de estar acompanhando pela TV com a minha mãe e ver o Usain Bolt ganhar os 100 metros rasos e batendo o recorde.
Aquela sensação de ver alguém se superando e ver pessoas emocionadas por aquele feito, ficou guardada em mim de uma certa maneira. E foi aí que começou a minha trajetória no atletismo.
Meus pais praticaram atletismo e foi onde se conheceram. Meu pai, Isaias, nascido e criado em São Paulo, fazia salto triplo, bateu vários recordes sul-americanos, viajou para campeonatos mundiais, obteve títulos importantes e, inclusive, treinava com o João do Pulo, um grande ídolo para nós da modalidade.
Minha mãe, Elisa, nascida e criada em Ribeirão Preto, conquistou vários títulos regionais e estaduais e chegou a participar de mundiais pela Universidade de São Paulo, faculdade que se formou em Enfermagem.

Apesar da trajetória incrível deles e de me levarem todos os anos para assistir competições quando eu era criança, eu não tinha noção de tudo que eles tinham conquistado com o atletismo e que eu era um dos frutos dessa união feita por meio do esporte.
Dia D: quando decidi que seria atleta
Um belo dia, após ter assistido às Olimpíadas, eu decidi que queria fazer atletismo e comuniquei essa vontade aos meus pais que, para a minha surpresa, não gostaram muito da ideia.
Vieram com argumentos de que o atletismo era um esporte muito sofrido porque, além do grande esforço que você tem que fazer, é pouquíssimo valorizado pelo governo e pelas pessoas no geral.
Mas, como uma boa virginiana, eu não aceitei “não” como resposta e fiquei perturbando-os, até que meu pai finalmente me levou à uma peneira que acontecia todo mês no Centro Olímpico, em São Paulo.
Felizmente, eu passei na peneira e, então, começou uma linda trajetória em minha vida. Uma trajetória em que me reconheci como ser humano e, até mesmo, como mulher preta na sociedade.
Lembram que no começo da história eu falei que eu sempre me boicotava de uma certa maneira e que não acreditava muito quando as pessoas me elogiavam?
Pois bem, sou negra e cresci num ambiente com muitas crianças e adultos brancos e sem muitas referências — que não fossem da minha família — de mulheres pretas bem-sucedidas.
Hoje percebo que isso afetou muito a minha autoestima, pois me achava feia, achava minha pele feia e, principalmente, achava meu cabelo feio, tanto que me submeti ao alisamento químico com uns 10 anos de idade.
A virada de chave na relação com o cabelo
Quando entrei no atletismo, que é um esporte composto majoritariamente por pessoas negras, vi mulheres negras fazendo coisas incríveis, pessoas se chamando de “pretinha(o)” de uma forma tão linda e carinhosa. Eu via que o negro era exaltado de uma certa forma, eu comecei a gostar de quem eu era.
Comecei a entrar em contato com a cultura negra e perceber o quanto eu sou linda, o quanto o meu cabelo é lindo e que eu poderia conquistar coisas incríveis independentemente de qualquer coisa.

E então, em 2015, decidi que não queria mais alisar o cabelo. Comecei a colocar as box braids, mas ainda não tinha coragem de saber como era meu cabelo natural, tinha medo de não gostar dele.
Fiquei neste processo de tirar e colocar as tranças por 2 anos. Até que, um dia, cansei de gastar dinheiro e ter essa dependência das tranças e decidi tirá-las de vez. Foi uma das melhores sensações que eu já tive na vida.
Um misto de liberdade, com felicidade e com reconhecimento. Parece que, de alguma maneira, ali eu estava vendo quem eu era de verdade, pela primeira vez.
E comecei a cuidar do meu cabelo com tanto amor e com tanto carinho, que ele respondeu de uma forma incrível. Muitas meninas dentro do atletismo se inspiraram nessa minha jornada e começaram a assumir seus cachos também. Foi uma coisa linda!
Hoje em dia, tenho uma relação muito tranquila com o meu cabelo. Digo tranquila porque antes eu era tão apegada que morria de medo de fazer algo de diferente e estragá-lo.
Agora, tenho até a lateral da cabeça raspada, sou bem mais desapegada porque sei exatamente a melhor forma de cuidar dele e que ele responde muito bem quando é tratado com o carinho que merece.
Treinos, esporte e os cuidados com o cabelo
Mesmo ficando com o cabelo preso o dia todo por conta dos treinamentos, ele está sempre muito saudável. Invisto em um bom cronograma capilar, aplicações de tônicos no couro cabelo e, claro, uma boa alimentação, que é o principal para nós atletas.
Muitas pessoas acham que esporte e beleza não se misturam e eu tento mostrar o contrário. Porque, para mim, se eu não estou me sentindo bonita, a minha autoestima diminui e, consequentemente, minha confiança para atingir bons resultados diminuem também.
Eu acredito que ter uma boa autoimagem, uma boa autoestima, infere demais no esporte. E não falo isso em questão de como as pessoas me enxergam, mas sim como eu mesma estou me enxergando. Por isso estou sempre fazendo coisas que me deixam bem, e uma delas é cuidar do meu cabelo.
Inclusive, durante as competições, eu sempre faço algum penteado ou coloco tranças. Essa é a minha identidade dentro do esporte.
Eu não fazia ideia de que esse processo renderia uma história tão linda, fico até emocionada. Nós, mulheres, de uma forma geral, temos que nos reconhecer como a potência que somos. Eu me descobri por meio do esporte!
Foi ele que me mostrou a minha identidade, a minha beleza, a minha força e a minha autenticidade, fora todos os benefícios para a saúde que todos nós já sabemos.
Se eu pudesse dizer algo para as mulheres que querem praticar algum esporte ou atividade física, é que eu tenho certeza que vai te levar a um caminho que vai muito além do físico.
Se você quer ter um corpo bonito, alguns treinos na semana, uma alimentação saudável já vão te ajudar bastante. Mas se você quiser reconhecer a sua força, o seu brilho, a sua confiança e a sua identidade, colocar a prática esportiva como uma prioridade, vai te fazer chegar lá com muita alegria, que foi o que aconteceu comigo.
Hoje em dia, me considero uma mulher mais forte e autêntica, que está sempre em busca de evolução. Sempre tentando identificar os pontos na minha vida que eu posso melhorar naquele momento e ir em busca disso, e sempre com muita alegria, tentando levar o máximo de pessoas comigo.