#AmoMeuCabelo: “não há outra forma de vencer senão sendo o que a gente é”, diz Neon Cunha
A publicitária e ativista conta a sua trajetória como mulher transsexual.
O que você vai precisar
“Neon é uma mulher negra, ameríndia, transgênero, que hoje articula junto à marcha das mulheres negras. Uma ativista independente, formada em Publicidade e Propaganda. Também é formada em Arte e Educação, com especificidade nas artes plásticas, o que me dá essa capacidade de fala, inclusive”. É assim, na terceira pessoa, que se apresenta Neon Cunha, ativista e primeira pessoa transsexual a conseguir na Justiça o direito à mudança de nome e de gênero nos documentos sem a necessidade de apresentação de laudo médico no Brasil. Ela é a nossa convidada para falar sobre sua relação com a beleza no Dia das Mulheres e a importância da representatividade e da luta pelos direitos LGTBQIA+.
Percebendo-se como mulher logo na infância
“Eu me percebi [mulher] aos dois anos e meio de idade. Aos 11 anos, quando fui trabalhar para ajudar a manter uma família de 10 filhos e me vi obrigada a fazer um papel social de homem. Eu me dei conta de que não existia um mundo para mim, de que eu não era acolhida. Vivi essa condição por 33 anos, embora eu nunca tenha me reconhecido e a sociedade nunca tivesse me reconhecido como homem. Nessa trajetória, eu também percebi o quanto é perigoso ser essa mulher. É uma sentença de morte. Não que isso tenha mudado, a gente está falando do país que mais mata LGBTQIA+ e a população especialmente trans no mundo. Então continua sendo um grande risco estar viva.
Mas, por outro lado, não há outra forma de vencer senão sendo o que a gente é. Eu já sabia quem eu era, mas também sabia dos processos. O que eu tive foi sorte através das rejeições, foram os mecanismos de proteção. Eu só fui ter um desenvolvimento da sexualidade aos 26 anos de idade. Porque também eu cresci no boom da AIDS.
Referências de beleza
Muitas vezes, é a beleza que vai produzir uma condição de estabilidade emocional para enfrentar o cotidiano. Mas esse “perceber-se” mesmo foi muito tranquilo.
Eu lembro que uma capa de revista que veio muito contundente para mim, era com a Christy Turlington. Naquele momento eu não vi uma mulher branca ou a Christy Turlington, eu vi uma capa de revista com uma potência! – que foi a primeira que eu realmente dei atenção, que eu falei assim: tem algo aqui!
A beleza, quando a gente pensa em estética, é sempre o que vai trazer questionamentos, é sempre o que vai provocar. O belo não está para o óbvio. O belo é que tem essa competência de se transformar em possibilidade.
O cabelo como coroa
Eu já tive cabelo comprido inúmeras vezes. O cabelo, socialmente, é um código de coroa, principalmente para uma mulher negra. A gente não tem um cabelo, a gente tem um posicionamento de divindade. Muda tudo!
Quando você deixa de alisar, quando você deixa de esticar – ainda que eu goste dele escovado – muitas vezes, muda tudo! Vai para uma outra dimensão. E a primeira violência à que eu começo a sucumbir é o cabelo. Sempre deixei o cabelo black, mesmo criança. Adorava! Mas também foi o lugar das primeiras violências. Eu lembro de as pessoas enfiarem a mão e falarem: “nossa, como seu cabelo é macio, parece um algodãozinho”.
Algumas vezes eu tive que raspar o cabelo por ordem do meu pai. Em 2000, ele estava grande, mas foram assaltar a casa onde eu moro e fui violentada. Eu levei seis meses para decidir o que eu faria. Aí eu raspei de novo a cabeça e disse que nunca mais.
Depois eu decidi deixar crescer porque é um processo de beleza mesmo, um processo de poder ser, de poder existir. E a gente sabe também que, para uma mulher nesse país, o cabelo é um processo de fetichização. A gente ainda está muito no código de uma opressão machista, de uma opressão que diz que a mulher tem que ter cabelão. Então, para mim, pesou muito.
Mudança de nome e de gênero
Depois de estudar muito, de articular muito, eu abri uma ação contra o Estado brasileiro pedindo o direito a nome, gênero e me recusando a ser a passar por um exame médico [Neon foi a primeira pessoa transsexual no Brasil, em 2016, a conseguir na Justiça o direito à mudança de gênero e nome na documentação sem precisar apresentar um laudo médico. Eu não iria oferecer nenhum laudo.
A minha foi a primeira sentença com direito a autorreconhecimento e, acima de tudo, citando a constituição como direito de ser quem se é. Isso abre um precedente único. Isso não muda a minha vida porque nunca foi sobre mim, foi sobre nós. Foi sobre ser um coletivo.
Eu não quero ser uma referência [no ativismo], eu quero ser superada. Eu quero que elas sejam muito maiores do que eu em tudo. Eu quero que elas tenham condições de falar de liberdade, de ser quem se é sem mudar um traço do próprio corpo, sem nenhuma cirurgia, em uma sociedade que se repense para acolher.
O ativismo como forma de inclusão
“Tenho grandes aliados para promover algumas ações sociais voltadas para a questão racial, da identidade de gênero e orientação sexual. Fico muito preocupada em não deixar ninguém de fora do bonde porque a gente fala muito de inclusão social, mas tem que tomar cuidado para não fazer uma exclusão. Incluímos quem? E quem fica de fora nessa ideia identitária?
Sou filha de uma faxineira, que é de onde vem essa ideia de percepção da subjetividade, de olhar o cotidiano, de olhar os espaços mais próximos, olhar com proximidade, olhar com humanidade.
Três anos sem maquiagem
Acho que tudo mudou na minha ida ao presídio [Como ativista, ela faz um trabalho social de educação nas alas dedicadas a travestis e transsexuais em presídios masculinos]. Mas o que me impacta tanto assim? Eu chego lá atrasada porque meu motorista se perde, mas chego já avisada de que vou ter uma expectativa das manas. Eu tinha 1h20, 1h40 com elas. Mas o impacto foi quando eu cheguei supermaquiada, superpenteada. Eu me sentei na cadeira, estava de boa, me preparando para trocar ideia. Só que o baque foi quando eu levantei a cabeça e olhei para frente: o espelho se abriu e fez 26 facetas iguais a minha. O mesmo tom de pele, do mais claro ao mais escuro. Nenhuma branca.
Para a sociedade, a mesma marginalidade que as condena é a mesma que me executa aqui do lado de fora. Então, eu estava ali 100%. E aí nenhuma maquiada, algumas com a barba por fazer… a gente discutindo feminilidade, ética e moral, como se faz liberdade, como se constrói a vida, a gente em uma troca muito intensa. Terminamos e elas tinham que tirar uma palavra para o próximo encontro. Feministas foi a palavra.
Essa conexão e, principalmente, perceber que você está ali, te dá uma responsabilidade. E aí eu parei mesmo com a maquiagem. Pensei: se elas dão conta, eu dou conta.
Decidi que, este ano, ao fazer 50 anos, eu iria me maquiar, porque me dá muito prazer.
O que é o Dia das Mulheres?
Quando penso em falar do Dia das Mulheres, penso em “quais mulheres?” “Como transformá-lo em todos os dias?”. Nem sei se a gente quer mais isso. Tem que perguntar para nós, mulheres, se a gente quer ter um Dia das Mulheres ou se a gente quer 366 dias [este ano, que é bissexto]. Mas, esquecendo tudo isso, eu acho que é pegar mais um dia de celebração. Já que eles resolveram apoiar a gente nesse dia, a gente cobra o apoio nos demais!
A gente não pode esquecer a celebração ordinária. Por que a gente levanta? Por que a gente se maquia? Por que a gente põe brinco? Por que a gente compra determinada roupa? Por que a gente gosta dessa estética? Quanto de beleza tem na celebração ordinária da vida num país que tem esse índice de feminicídio? A gente é muito incrível por dar conta de tudo isso.
Sugestão de produtos
Nós, de All Things Hair, sabemos que os cabelos cacheados precisam de cuidados especiais, já que são mais finos e tendem a ficar ressecados facilmente. Por isso, sugerimos o Shampoo e o Condicionador TRESemme Cachos Perfeitos.
Outro grande aliado das cacheadas é o creme de pentear. Nossa dica é usar o Creme Para Pentear Seda by Rayza Babosa + Óleos, que combina a potência hidratante da babosa com óleos naturais.